Algumas luzes
iluminavam aquelas ruas que eu percorria. Meus passos eram vagarosos
naquela época. Não tinha muita vontade de voltar para casa, mas não
tinha para onde ir. Meu corpo parecia pesar cinco vezes mais pelo meu
cansaço físico e mental.
As risadas das pessoas
me distraiam. Pela conversa planejavam ir para alguma festa e me dou
conta que já era sexta-feira. Mais uma semana estava se acabando,
como as outras anteriores. Nada demais havia ocorrido nela.
Olho para minha
esquerda, onde ouvi uma música e vejo que se trata de uma escola de
dança, daquelas que deixam uma janela enorme em direção a rua para
que os pedestres vejam. Lembrei de quando era uma criança e de como
gostava de dançar.
Hoje em dia eu tenho
vergonha. Nem sei se saberia dançar, mas me sinto tão desengonçado
com o corpo que tenho hoje que não vale a pena pensar.
Lembrei que também
participei certa vez de um teatro da escola. Era um teatro de fantoche e eu era o jacaré. Impressionei tanto a professora que ela me
promoveu para ser o principal da peça. Era o leão. Se não me
engano isso foi na terceira série.
“Eu seria um ótimo
ator.” Pensei por um segundo e tão rapidamente descartei tal
ideia. Não tinha beleza de ator e já não tenho mais idade para
isso. Não tenho 30 anos, mas já passei dos 20. Dizem que para
começar essas coisas tem que ser jovem.
Será que ainda sou
jovem?
Me sinto tão velho às
vezes. Pago as minhas contas, terminei de estudar há 2 anos e ainda
não me sinto a vontade socialmente. Não lembro da última vez que
fiz algo que me orgulhasse. Ou se fiz algo porque assim desejava.
Aos 16 anos eu desejei
comprar uma guitarra. Meus pais não deixaram, pois disseram que era
muito barulhenta. Será que agora eu poderia comprar uma? Mas meus
vizinhos reclamariam, não?
Se bem que hoje tem
fones que permitem que só eu ouça o som da guitarra ao conectar nela, pelo menos foi o que eu ouvi de um colega há um tempo atrás.
Mas para que eu iria
aprender agora também? Do que me adiantaria?
Disseram que não
podemos perder tempo. Tenho que gastar o meu com algo útil.
Suspiro com essa
palavra: útil.
Começou a chover e eu
começo a apressar os passos para me proteger numa cobertura de
alguma loja que já fechou. Enquanto aguardo a chuva passar eu me
lembro de quando tinha 10 anos e no natal teve uma chuva parecia com
essa. Estava com meu irmão mais velho indo para a casa de nossa avó
a tarde.
Não nos intimidamos
por ela. Pelo contrário. Corremos procurando poças de água para
pular e chutar água um no outro. Rimos muito naquela tarde e
chegamos ensopados na vovó.
“Queria pular em uma
dessas poças para ver se ainda sentiria o que senti naquele dia.”
Penso, mas sou adulto agora. Me olhariam estranho e eu ficaria com
vergonha. Mais do que já estou.
Às vezes eu queria
ter outro corpo.
Para poder ter a
coragem de fazer aquilo que outros achariam ridículo se me vissem
fazendo. Para ser mais aceito pelas pessoas e por mim mesmo.
Às vezes eu queria
ter nascido em outra época.
Restringiram tanto a
minha liberdade quando criança e adolescente. Agora que sou adulto
eles me abandonaram para enfrentar o mundo sozinho. E eu ainda nem
sei quem sou.
Às vezes eu queria
ser criança.
Fingir que não tenho
vergonha e fazer essas coisas. Criança não sabe o que é isso, ou
pelo menos finge que não sabe. Tenho medo de fingir que não sei o
que é vergonha e começar a fazer essas coisas e parar num
sanatório.
Às vezes sinto que
meu corpo é uma prisão.
Queria ver algo pela primeira
vez. Sentir algo pela primeira vez. E não que tudo já foi visto ou
sentido. Só queria sentir o esplendor novamente. Ter o
deslumbramento do mundo através dos olhos de uma criança, de alguém que sabe quem é.
Eu só queria ser...
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