O mundo
está morrendo.
Vejo
o processo de decomposição nas paredes, nas plantas, no ser humano
e no resto. A vida em seu caminho para a morte. Sinto esse
caminho e o cheiro de morte. Cada ação que uma pessoa toma é
resultado de seu destino, mesmo que ela não saiba disso ainda.
Percebo os
padrões de seus futuros. Sinto a hora passar em cada célula de meu
corpo. O tempo que não volta para vocês volta até mim em forma de flashes, déjà vu e
memórias. Logo eu vejo seus passados, suas frustrações, seus medos
recentes e seus futuros. Às vezes tenho vontade de pedir perdão
pela invasão que faço em suas vidas, mas se pedisse vocês
diriam que eu sou louca.
Eu diria
que não sou louca, mas que a realidade me mostra muito mais do que a
vocês. No entanto me acusariam de estar espionando suas vidas para
ganhar algo. De ter visto suas contas na internet ou de conhecê-los
de alguma forma. Eu diria que vocês estão apenas dormindo e não
percebem as forças que atuam em suas vidas. Mas não os culpo.
Vocês foram manipulados para acreditar nisso. Eu também já fui uma manipulada. Pensando bem, eu nunca fui uma de vocês, mas também não
era como sou hoje.
Às
vezes sonho com coisas que não compreendo. Antes achava que tinha
uma imaginação muito fértil, mas hoje eu percebo que alguns
daqueles sonhos são sinais. Aquelas pessoas que sonhei podem
existir. Eu conheci duas pessoas de meus sonhos. Um homem chamado
Ágore que morreu alguns anos atrás e outro... Este último eu me
arrependo profundamente de tê-lo conhecido.
Uma vez
Ágore me disse que eu não estava sozinha. Ele tinha razão. Ágore
também sentia a realidade diferente da maioria. Mas seus sentidos eram
mais apurados que o meu. Ele me chamava de andarilha na época que
eu não tinha aflorado meus outros sentidos. Dizia que eu ainda andava entre dois mundos diferentes. Foi duro para eu
aceitar o que ele me falava.
Recorri à psicologia e psiquiatria
para explicar o que eu sentia e, principalmente, o que eu sonhava.
Mas quando se depara com uma série de coincidências e fatos
inexplicáveis, como experimentar a própria morte e vencê-la, você
acaba surtando e se conformando de que a loucura tomou conta de você
ou que sua vida se transformou completamente.
Não
somos muitos. A realidade não permite que os olhos se abram demais.
Isso é por causa de vocês. De todos aqueles que acreditam no
conforto e na tecnologia, que esperam que a vida seja um bom emprego,
um bom companheiro e se esquecem de seus espíritos. Vocês tem uma
força coletiva que molda essa realidade e ela não permite que o
extraordinário aconteça. Para os moldadores dela, como eu, fazemos um
grande esforço ao tentar moldá-la. Mas não imaginam
como isso é maravilhoso. Você ter a capacidade de alterar algo
concreto, de moldar as leis da física e até do universo é
indescritível... E perigoso. Eu entendo porque essa limitação
imposta seja necessária, afinal não seria agradável
você estar andando pelas ruas de sua cidade para seu trabalho e se
deparar com uma chuva de meteoros feita por um moldador enfurecido
com um rival, não é mesmo?
E no
meio de tantos pensamentos, que muitas vezes nem são meus, no meio
de tanto caos nesta cidade grande e nessa mistura de cheiros de
decadência e progresso eu me encontro ao pé de uma estátua num dos
bairros de Nova York. Olho para os lados esperando ver dois rostos
conhecidos. Estou com um fone de ouvido escutando indie rock. Meus
cabelos negros escorridos tampam parte da minha cara quando me abaixo
para pegar umas anotações que fiz nos últimos dias de dentro de
minha mochila. Visto um vestido preto que vai até meus joelhos, um
bolero escuro e um tênis. Não me considero gótica porque desde que
me lembro eu sempre tive aversão a cores. Gosto do preto por ser
fácil e prático. Não tenho que pensar muito no que vestir e como
combinar.
Me
abaixo, sentando nos pés da estátua e começo a ler aqueles papéis,
mesmo tendo tudo em minha mente. Talvez eu esteja deixando passar
alguma coisa. Esses nomes e essas informações não faziam muito
sentido para mim. Me concentrei apertando meus olhos azuis escuros
tentando encontrar alguma lógica nessas informações caóticas, mas
sinto uma energia familiar se aproximando e logo apenas encaro o
papel.
Dois pés
calçando botas estilo militar param diante de mim. Olho para cima e
vejo um homem de 26 anos usando calça jeans escura, uma blusa do
Black Sabbath e um sobretudo. Ele está usando óculos escuros com a
mesma armação do Ozzy, o que realça ainda mais sua semelhança com
o cantor quando era mais novo.
Ele dá
um trago no seu cigarro, jogando-o no chão e pisando em cima. Logo
ele ajeita seus cabelos negros que vão até o ombro e puxa outro cigarro.
Tiro meu fone de ouvido e encaro ele.
-Dá pra
ouvir essa merda que está ouvindo daqui. -Disse o homem debochando, acendendo outro. Continuo olhando para ele calmamente. -A loirinha não chegou
ainda?
-Não.
-Descobriu
alguma coisa no meio desses rabiscos, garota?
-Ainda
não.
-Eu
andei no bar daquele irlandês, sabe? Eles não tem muitas
informações sobre o nosso cara. -Abaixei minha cabeça pensativa.
Gabriel chutou meus pés de leve querendo chamar minha atenção. Aquela seria uma tarde longa.
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